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Cade está prestes a ficar paralisado por impasse entre Planalto e Congresso

A falta de diálogo entre o Palácio do Planalto e o Poder Legislativo saiu da Praça dos Três Poderes e começou a ter reflexos no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A autarquia antitruste, ligada ao Ministério da Justiça, vive uma situação inédita e preocupante: daqui a nove dias, apenas três dos sete conselheiros continuarão com mandato no órgão.

O número é insuficiente para assegurar quórum no Tribunal do Cade, responsável por analisar, em última instância, operações bilionárias e processos administrativos de ilícitos contra a concorrência.

A sessão do dia 26 de junho foi a última, no calendário oficial, com quórum para julgamento. Naquela ocasião, a conselheira Polyanna Villanova e João Paulo de Resende se despediram da autarquia.

Com a cadeira da ex-conselheira Cristiane Alkmin vaga desde dezembro, atualmente, só compõem o Tribunal do Cade o presidente, Alexandre Barreto, a conselheira Paula Farani e o conselheiro Maurício Bandeira Maia. Paulo Burnier está de férias, mas seu mandato já se encerra no dia 16 de julho.

O § 1º, art. 9º, da Lei 12.529/11 estabelece que as decisões do Tribunal do Cade serão tomadas por maioria, “com a presença mínima de 4 membros, sendo o quórum de deliberação mínimo de 3 “três membros”.

“Isto é, para instalação de uma sessão de julgamento é necessária a presença de 4 membros. Para deliberação, no entanto, basta que haja 3 membros aptos a votar (casos em que há conselheiro impedido, etc.)”, informou o Cade em nota.

No início de maio, Bolsonaro indicou ao Cade os nomes sugeridos por Moro e Guedes, respectivamente o advogado Vinicius Klein e o economista Leonardo Bandeira Rezende. Os nomes foram enviados sem negociação prévia com o Legislativo, o que irritou as lideranças do Senado, que precisa chancelar os nomes do presidente.

A resistência do Senado lhe rendeu uma vitória recente, em situação semelhante. Em 2017, o então presidente Michel Temer indicou Amanda Athayde para ser superintendente-Geral também sem negociar a questão previamente com os senadores. Amanda foi rejeitada pelo Senado, Temer foi obrigado a recuar e aceitou a indicação de Alexandre Cordeiro, ligado ao PP, para a vaga.

Em uma demonstração da crise institucional, na última terça-feira (2/7), durante sessão da CAE do Senado, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), alfinetou o governo. “Nosso papel é incentivar a economia brasileira e ter uma pauta própria. Se há um crise, ela não está no Senado e no Congresso, a crise está em outro lugar que não é aqui”, disse.

Para tentar contornar a situação, o presidente do Cade, Alexandre Barreto, antecipou uma sessão para esta segunda-feira (8/7), quando será julgado o processo administrativo referente ao cartel do metrô de São Paulo. Isso porque os mandatos de Polyanna, João Paulo e Paulo Burnier só terminam, respectivamente, nos dias 8, 14 e 16 de julho.

O problema, no entanto, está no fato de operações relevantes ficarem fora do calendário de julgamentos, sem previsão para serem apreciadas. Um exemplo é a aquisição internacional da Red Hat pela IBM, que não foi pautada para a próxima sessão.

Sem a recomposição do conselho, não há previsibilidade de quando a operação irá ao Tribunal. E sem o posicionamento da autoridade brasileira, a operação global tem que esperar.

O Congresso Nacional entra em recesso em 18 de julho, retornando suas atividades somente no dia 1 de agosto. Ou seja, no melhor dos cenários, a recomposição do Cade só seria concluída na primeira quinzena de agosto.

“Está difícil explicar para escritórios e clientes internacionais que esse impasse entre os Poderes está barrando a análise de operações importantes no Brasil”, disse um advogado que atua com frequência no Cade.

Outra preocupação está nas operações aprovadas sob o chamado “rito sumário”, quando o ato de concentração tem o aval da Superintendência-Geral. O Tribunal do Cade tem um prazo de 15 dias para avocar o caso ou não.

Por isso, nenhum ato de concentração poderá se concretizar até a situação ser resolvida, nem mesmo os mais simples.

Futuro

Fontes que acompanham de perto a situação afirmam que o cenário só deve ser contornado quando o “caos” for devidamente instalado, ou seja, quando a situação de falta de quórum estiver efetivamente imposta, com má repercussão ao órgão.

Dessa maneira, dizem, um dos lados terá de ceder: ou o Palácio do Planalto acata a requisição do Congresso, indicando nomes de preferência dos parlamentares, ou o Senado coloca em votação as duas indicações já estabelecidas.

O problema não está apenas no impacto que a situação causa na economia nacional, com todas as operações suspensas, como também na imagem negativa que pode ser passada para investidores estrangeiros e a outras autoridades internacionais de defesa da concorrência.

“Estão usando a economia nacional como refém de uma falta de articulação entre o Governo e o Senado”, comentou uma fonte.

Na última segunda-feira (1/7), o Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac) enviou uma carta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, solicitando providências.

“A interrupção das atividades de um órgão da importância do Cade gerará insegurança jurídica para empresários e investidores, na medida em que importantes fusões, aquisições e joint-ventures que necessitam de análise prévia do órgão poderão ser prejudicadas durante o período em que permanecer a falta de quórum do Tribunal”, assinalam os representantes do Ibrac.

Ao JOTA, o presidente do Ibrac e sócio do escritório Caminati Bueno Advogados, Marcio Bueno, disse que uma paralisação do Tribunal do Cade “poderá arranhar a excelente reputação conquistada pelo país na área da defesa da concorrência”.

“Será muito importante que os agentes políticos adotem uma postura republicana, a despeito de eventuais disputas políticas, e consigam avançar comum rápida aprovação de novos conselheiros. É importante lembrar que o Cade é um órgão de Estado e não de Governo”, afirmou Bueno.

Fonte: JOTA

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