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O Cade e o avanço dos portos

Presidente Executivo da Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec)

Pela primeira vez em quase duas décadas, o segmento de terminais portuários de contêineres viu avançar uma discussão muito importante para suas atividades fundamentais, especialmente em um cenário em que aguardamos a retomada econômica do país pós-crise da Covid-19. Recentemente, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) emitiu uma nota técnica que reconhece a legalidade da cobrança do Serviço de Segregação e Entrega (SSE), necessária à movimentação de contêineres de terminais portuários para os terminais retro alfandegados. A avaliação ressalta que esse serviço deve ser cobrado de maneira alinhada à Resolução 34/2019 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), vigente desde fevereiro.

Esta resolução da ANTAQ deixa claro que o SSE não compõe a cesta de serviços remunerados pelo armador com o operador portuário. O parecer técnico sinaliza uma interpretação mais atualizada do CADE à prática. Além de endossar a resolução da ANTAQ, a avaliação joga luz a uma discussão que passa a ser embasada em evidências concretas sobre parâmetros e limites de um serviço que assegura o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de arrendamento e de adesão de todos os terminais de contêineres brasileiros.

Nos últimos 20 anos, o CADE divergiu da ANTAQ quanto à existência do Serviço de Segregação e Entrega cobrado dos terminais de contêineres aos retroportos. Esta divergência ocasionou um número enorme de processos e decisões judiciais conflitantes entre si, causando enorme insegurança jurídica e atrasando decisões de investimentos de capital nacional e internacional na expansão dos terminais de contêineres, o que prejudicou o crescimento de um setor estratégico para o nosso comércio internacional e crescimento da economia.

Ao ser levada ao judiciário, a divergência de entendimento entre ANTAQ e CADE, como não poderia deixar de ser, produziu decisões favoráveis tanto ao entendimento da ANTAQ (favorável aos terminais de contêineres) quanto à então posição adotada do CADE (favorável aos retroportos), promovendo insegurança jurídica, prejudicando investimentos e causando desequilíbrio econômico financeiro de contratos de arrendamento, pactuados em regime de liberdade de preços.

Mas, para entender um pouco mais sobre a forte competição que envolve a movimentação de contêineres, vale remontar um pouco mais sobre os detalhes do modelo existente no Brasil, que é único, e totalmente distinto das operações existentes ao redor do mundo. No Brasil, a instalação dos chamados terminais retro alfandegados (TRAs) no entorno dos terminais portuários foi fruto do colapso do monopólio estatal na exploração portuária, com a carga sendo descarregada dos navios e transferidos para a operação privada fora dos muros do porto.

Para aliviar a ineficiência da operação de armazenagem nos terminais portuários, na época com equipamento e espaço insuficientes, o governo autorizou, a partir de 1987 o estabelecimento dos chamados terminais retro portuários alfandegados para a armazenagem de contêineres desembarcados dos navios. Em 1993, a Lei 8.630 quebrou o monopólio estatal na operação portuária e, a partir de 1996, os terminais portuários foram privatizados, gerando enormes investimentos privados que estabeleceram terminais de contêineres no estado da arte, com produtividade de padrão mundial e construção de novos pátios capazes de armazenar a totalidade dos contêineres movimentados na carga e descarga dos navios.

A existência e operação de terminais retro portuários no entorno de terminais de contêineres seguem na contramão dos ganhos de eficiência logística, pois representam um elo adicional e redundante na cadeia. No entanto, a nossa história mostra como esses terminais se fortaleceram ao longo dos anos, através de subsídios regulatórios em forma de teto de preço, tornando-se uma peculiaridade brasileira.

Em 2013, a Nova Lei dos Portos eliminou por completo as barreiras regulatórias de entrada no estabelecimento de novos terminais de contêineres na costa brasileira. Nesse contexto, acirrou-se a concorrência entre os terminais de contêineres, tanto intraportos quanto interportos, garantindo um ambiente onde a regulação não é recomendada, conforme preconizam tanto o Banco Mundial* quanto as regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O estabelecimento de gratuidade ou controle de preço de serviços portuários em favor dos terminais retro portuários provoca desequilíbrio de contratos de arrendamento, frustração de investimentos essenciais à manutenção e expansão da infraestrutura portuária em prol de um segmento que não atua na ponta do setor (carga e descarga de navios), não realiza investimentos de mesma magnitude e não está sujeito à regulação.

Os investimentos necessários à manutenção da competitividade dos terminais de contêineres ocorrem em ciclos cada vez mais curtos e em valores significativos, fruto de uma atividade intensiva de capital. A competição pela atração dos operadores marítimos é cada vez mais intensa e a qualidade e produtividade do serviço fundamentais para a continuidade das operações. A liberdade econômica é fundamental para que os terminais de contêineres equacionem os seus preços às necessidades de geração de valor, em garantia dos constantes investimentos em expansão e produtividade.

A nova sinalização do CADE por meio de nota técnica dá um importante alento a um segmento capaz de atender à expansão acelerada do comércio exterior e da cabotagem. Trata-se de uma infraestrutura chave para o Brasil e que continua operando em forte ritmo mesmo em um momento tão delicado como este para a economia global.

Fonte: Portogente

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